Tal indagação não é fantasmagórica, tampouco uma armadilha filosófica se entretendo a desvendar a verdadeira Physis (natureza imanente e imortal de todas as coisas). É, sim, objetiva e perseguidora do ponto de vista pelo qual formulamos o conceito e vivência do amor. Ela nos persegue porque não a encaramos, preferimos os subterfúgios, o lamaçal das enganações, a sermos salvos pelo reboque da razão – aquele destruidor de ídolos que à frente do nosso pelotão atira sem piedade em todos os nossos amores mascarados.

Para as rajadas de polvorosas indagações da razão não temos sequer uma desculpa convincente, continuamos entrincheirados no lado oposto – ainda lutando para não acreditar que comumente a quem dizemos tanto amar, é senão o espelho de nosso querer, uma ficção mirabolante que costuma sentir as dores mais secretas, mais desnecessárias, afinal espelhos não falam verdades. Então, como saber se não somos a marionete que mesmo liberta das cordas prefere escutar só a própria voz?

Raras as vezes é o outro que realmente amamos. Quantos de nós ainda amaríamos se daquele alguém a quem rendemos juras caíssem todas as máscaras? Não estou falando das máscaras habituais, refiro-me às máscaras que nós imputamos como vestimenta ao outro. A maioria delas verdadeiras ladras a substituir originalidades por artificialidades.

Em nome da razão fala a Condessa Marie d’Agoult, paixão arrebatadora do pianista húngaro Franz Liszt: “Mui raramente nos enganam aqueles a quem amamos; nós é que nos enganamos com eles”. A este autoengano acrescente-se esta observação do inesquecível poeta alemão Johannd Wolfgang von Goethe: “O ente querido resplende no meio da multidão e, quanto maior a distância, tanto mais parece puro e verdadeiro o seu resplendor”. Exatamente assim nos relacionamos com nossos amores – fingimos conhecê-los por completo. Quanto mais longe da realidade, mais o amamos, tanto mais ele nos parece verdadeiro.

Amar cara a cara é uma ousadia reservada a poucos. Amar cara a cara é ser algo raro sob o céu de Confúcio, quando diz: “Amar e reconhecer os defeitos dos que se amam, odiar e reconhecer as boas qualidades dos que se odeiam, são duas coisas raríssimas debaixo do céu.”

Como é mesmo o nome do seu grande amor? Não será ele seu próprio desejo? Você conhece mesmo a quem diz amar ou o veste com as qualidades que porventura gostaria que ele tivesse? A natureza mais caricata dessa nossa transferência do rito de amar é vivida por Churc, personagem de Tom Hanks em “O Náufrago” ao recriar e espelhar suas emoções através do Wilson, uma mera bola de vôlei para quem descarregava todos os seus sentimentos. Por mais que se dissesse a Churck que Wilson era apenas uma bola de vôlei, ele daria sua vida por aquela paranoia. Acontece com as nossas bolas de vôlei, imagine de pessoa pra pessoa.

Claro que sempre amamos, na maioria das vezes, alguém que não existe. O amor foge do cotidiano ao se ver transformado para muitos em uma ficção “amorífica” – podemos vê-lo, imaginá-lo, mas nunca experimentá-lo como ele realmente é – cheio de prazeres, desejos e… e… e… defeitos. Quando destruímos por conta própria os defeitos do outro, criamos um enorme obstáculo entre a pessoa que amamos (que não existe) e a verdadeira pessoa que dia-a-dia está ao nosso lado. Para quem está ao nosso lado declamamos apenas o poema da angústia, uma grossa poeira, lixo das nossas decepções com o amor da ficção.

Você sabia que aquele seu tão sonhado amor também tem cacoetes, estrias, mau humor, meleca e tantas outras realidades que, nem por isso tiram o frescor, o perfume, a graça e a eloquência vivaz de amar por completo qualidades e defeitos como uma prova de amor?

Neste fogo cruzado, onde o amor ficcional vestido com as mais belas armaduras quase sempre vence o amor da realidade que traja apenas sua nudez gloriosa, Paul Géraldy, poeta e dramaturgo francês foi brilhante ao perceber o quanto desperdiçamos de nossas vidas por não amar a realidade (não tão pura, nem tão crua – só real). Paul com maestria disse: “A história de um amor é o drama da sua luta contra o tempo”. Caso o que chamamos de tempo seja o que corre nos calendários, então, devemos libertar o nosso amor da imaginação, trazendo-o ao altar da realidade, onde cada minuto deve ser celebrado como a única razão da existência.

Unir-se novamente ao elo do amor real, na tentativa de livrar-se ou responder a nossa indagação inicial, é atentar novamente para outras duas grandes reflexões de Paul: “Devemos parecer-nos um pouco para nos compreendermos; mas devemos ser um pouco diferentes pra nos amarmos”; “seduzimos os outros servindo-nos de mentiras, mas queremos ser amados por nós mesmos”.

O Amor "Real" é como a Verdadeira "Beleza" que não se esconde e não precisa usar "Mascaras" - AMANHECER NAS FALÉSIAS - GUARAPARI - ES.
O Amor “Real” é como a Verdadeira “Beleza” que não se esconde e não precisa usar “Máscaras” – AMANHECER NAS FALÉSIAS – GUARAPARI – ES.

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