Invasões de terras fazem parte da história de Guarapari. Falta de fiscalização do poder público, interesses políticos e a economia em declínio em estados vizinhos – principalmente do Norte de Minas e Sul da Bahia, fizeram Guarapari ser destino de milhares de famílias nos últimos 30 anos. A maioria veio em condições de extrema pobreza.

Na manhã do último dia 27 esse histórico veio à tona. Uma área foi invadida por diversas famílias e o proprietários teve sua reintegração de posse autorizada pela Justiça. No terreno, existem cerca de 40 famílias vivendo. Algumas há mais de 2 anos. As construções são simples e entre os moradores, cerca de 90% estão desempregados, como afirmou um dos representantes da comunidade.

Na área em questão vivem cerca de 40 famílias. Foto: João Thomazelli/Portal 27
Na área em questão vivem cerca de 40 famílias. Foto: João Thomazelli/Portal 27

“Antes nós morávamos de favor ou de aluguel. A maioria, mais ou menos 90%, é de desempregados. Nós não temos para onde ir, porque com certeza, se nós tivéssemos para onde ir, já teríamos ido, para não ter que passar por isso”, lamentou Anderson da Silva Conceição.

Anderson conta que a área era usada para desova de corpos antes de ser invadida pelos moradores. “Aqui era só matagal e local de desova. O povo matava lá pra cima e jogava o corpo aqui. Nós viemos, derrubamos o mato, capinamos e construímos nossos barracos aqui”, relembra.

No terreno existem cerca de 40 famílias que vivem de forma simples, sem água encanada. A luz elétrica é obtida através de “gatos de energia”, puxados dos postes de iluminação pública, mas os moradores lamentam que tenham de sair de lá.

Realocação dos moradores

Na época em que foi determinada a reintegração de posse, o juiz Ronaldo Domingues de Almeida determinou que a prefeitura fizesse, em um prazo de 48 horas, um estudo social do local “sobretudo para levantar quantidade de pessoas, em especial, as crianças, idosos e enfermos e eventual local para remoção de coisas e pessoas”.

O local é carente de infraestrutura básica. Muitos vivem em situação precária. Foto: João Thomazelli/Portal 27
O local é carente de infraestrutura básica. Muitos vivem em situação precária. Foto: João Thomazelli/Portal 27

Mas a determinação não foi posta em prática pela prefeitura. Procurados para nos responder sobre isso, a Secretaria Municipal de Comunicação, informou que não foi possível cumprir o determinado por causa do pouco tempo dado pelo judiciário, e que tentou fazer parte do processo e que ainda pediu para que o prazo de reintegração de posse do terreno fosse estendido, mas o pedido não foi aceito pela Justiça.

“Ao ser oficiado, o Município informou no processo que não haveria tempo hábil para a execução do Estudo Social e que não dispunha de abrigo municipal para alocação das famílias, de modo que requereu sua integração na ação judicial, bem como a suspensão do cumprimento da liminar na data programada, para melhor compreender a situação das famílias e evitar maiores prejuízos a elas”.

A tropa de choque esteve no local, mas a ação foi adiada por vinte dias. Foto: João Thomazelli/Portal 27
A tropa de choque esteve no local, mas a ação foi adiada por vinte dias. Foto: João Thomazelli/Portal 27

A Defensoria Pública do Espírito Santo se manifestou sobre a situação dos moradores da área invadida. O intuito é buscar juntamente com Prefeitura Municipal de Guarapari uma alternativa para, ao menos, reduzir os danos decorrentes da desocupação da área, uma vez que as famílias que ali residiam não possuem nenhum outro lugar para ir.

Em reunião com o prefeito da cidade, ainda na tarde de ontem (27), o município se prontificou a amparar as famílias em risco de serem desalojadas, agendando para a próxima semana uma reunião com todos os envolvidos para uma tomada de decisão conjunta.

Vale ressaltar que a posição proativa do Município em parceria com a Defensoria Pública demonstra uma nova perspectiva de solução para os conflitos fundiários e urbanos dentro da vertente da litigância estratégica, uma vez que a judicialização dissociada do contexto social não se mostra suficiente para o enfrentamento da questão. 

Segue abaixo a íntegra da nota oficial da prefeitura sobre o problema:

Sobre o cumprimento de uma liminar dando reintegração de posse a uma empresa dona de um terreno no Bairro São Gabriel, na qual seriam retiradas, aproximadamente, 40 famílias, marcada para esta data (27/8), o Município declara não foi parte no processo, de modo que não acompanhou os atos nem teve a oportunidade de compreender todo o contexto jurídico da ação e respectiva situação das famílias.

Assim, o Município de Guarapari só tomou ciência da ação de reintegração de posse através de ofício encaminhado pela 3ª Vara Cível, no dia 03 de agosto. Neste ofício, foi solicitado à Prefeitura o Estudo Social das famílias ocupantes da área objeto da ação, bem como a indicação de local para abrigamento destas, quando da desocupação dos imóveis. Um Estudo Social compreende uma investigação aprofundada das famílias, envolvendo origem, parentesco para provável abrigo, situação social atualizada, entre tantos outros itens). Para o cumprimento deste, o juiz encarregado deu ao município o prazo de 48 (quarenta e oito) horas, o que é impossível de se cumprir, em se tratando, principalmente, de um universo de 40 famílias.

Desde as primeiras horas da manhã os moradores começaram a se reunir no local. Foto: João Thomazelli/Portal 27
Desde as primeiras horas da manhã os moradores começaram a se reunir no local. Foto: João Thomazelli/Portal 27

Ao ser oficiado, o Município informou no processo que não haveria tempo hábil para a execução do Estudo Social e que não dispunha de abrigo municipal para alocação das famílias, de modo que requereu sua integração na ação judicial, bem como a suspensão do cumprimento da liminar na data programada, para melhor compreender a situação das famílias e evitar maiores prejuízos a elas.

A pretensão do Município não foi acolhida pelo judiciário, que não autorizou a integração no processo e manteve a data marcada para a reintegração de posse e retirada das famílias da área. Desta forma, o Município não é parte da referida ação e, portanto, não compareceu à ação de reintegração.

Ainda assim, o Município procurou a Defensoria Pública, que em reunião hoje com o proprietário do imóvel e os moradores da área, acordou que seriam dados mais 20 dias de prazo para que fosse feito um levantamento e para sugerir uma alternativa que melhor atenda às famílias, lembrando da complexidade da situação, já que trata-se de uma comunidade de cerca de 40 famílias, com idosos e crianças, que já ocupam a referida área há alguns anos.

É importante frisar que o município não é a favor da ocupação indevida de terrenos, mas, uma vez que a situação já estava instalada, não podemos ser omissos ao caso e, sem a menor cautela, participar de uma reintegração de posse ao proprietário, desconsiderando a complexidade da situação das famílias, sem ampará-las.

Mais uma vez, ratificamos que, a despeito de todos os esforços feitos pelo Município para integrar a ação e buscar medidas menos prejudiciais às famílias, o Município não obteve êxito em sua pretensão, uma vez que teve o seu pleito indeferido pelo judiciário.