I. 

Nas sociedades primitivas, os idosos eram vistos como os detentores da sabedoria. Confúcio, filósofo da antiga China, pregava que todos os membros de uma família deviam obediência aos mais velhos. Os jovens recorriam aos anciãos em busca de conselhos nos negócios, nos relacionamentos interpessoais e na vida.

A imagem do velho era tida como um espólio. O estado de velhice era dignificante: sábio era aquele que vivera o suficiente para atingir essa longínqua etapa da vida. O ancião, enquanto figura política, tinha decisão de peso maior em assuntos importantes na sociedade.

Após a revolução industrial, uma inversão majestosa de valores tem predileção por aqueles com maior capacidade de produção. Ao idoso, restou apenas o isolamento e a desunião: o patrimônio agora é o fardo.

A decadente humanidade preza pelo potencial produtivo (mas contraproducente) da juventude em detrimento daqueles que, de forma empírica, conquistaram ao longo da vida a sabedoria que nenhum jovem é capaz de ter.

Tendo na ponta dos dedos a mais rápida tecnologia e a mais frutífera fonte de informações, a juventude subestima a sapiência vital que os mais idosos detêm.

II. 

Nesses seis meses incompletos em que integro a equipe do Portal 27, já me deparei com ocasiões que edificaram meu caráter e mudaram minha percepção sobre Mundo, Guarapari e Indivíduo.

Em tempos de uma pandemia que debilita os jovens e ceifa a vida dos mais idosos, busco sempre tratar da informação com o máximo de clareza e veracidade com os fatos. Entretanto, a mesma elucidação que salva vidas é aquela que segrega e discrimina.

Nas últimas semanas, percebi que eram poucas as imagens que tínhamos de Guarapari vazia para usarmos nas capas das matérias. Pedi autorização ao editor-chefe, Wilcler Carvalho Lopes, e assessoria em jornalismo de Roberta Bourguignon para fotografar algumas cenas da cidade saúde, que mais parecia cidade pós-apocalíptica. Mesmo com uma considerável quantidade de pessoas nas ruas, os estabelecimentos comerciais fechados me fizeram pensar na crise econômica tremenda que se aproxima.

Outra percepção que me cortou o coração foi ver que as pessoas nas ruas, em sua majestosa maioria, eram idosos. Alguns mal tinham nem calçados nos pés, que dirá máscara no rosto. Assim que saí de uma loja de conveniência, perguntei informalmente a um idoso que passava: “desculpe a intromissão, mas por que o senhor não está em casa?”

A resposta, num sorriso triste, foi:

“Solidão mata mais do que gripe, minha filha…”

III.

Neste mundo em que os próprios idosos rejeitam a idade avançada, uma pandemia maior que a Covid-19 se instaura: a do abandono. A perda do “papel-funcional”, que a (des)humanidade moderna tanto preza, também desata os vínculos das pessoas com aqueles que mais precisam da nossa admiração e zelo.

Os valores que norteiam as gerações mais recentes se resumem em afeto superficial. “Fique em casa” é a recomendação dos especialistas, reforçada pelos descendentes. Mas como, se a casa dos idosos nem parece mais um lar, de tão vazia? Até onde vai a omissão familiar?

Em pleno isolamento social, por que nossos corações estão tão distantes daqueles que rezam por nós?