No Espírito Santo foram registrados, até o final deste mês, 29 casos de feminicídio. Outro dado deste ano que chama muito a atenção é o número de medidas protetivas de urgência expedidas pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-ES), foram quase 9 mil até o momento, com o intuito de proteger vítimas de violência doméstica. Para debater políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, a Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa (Ales) reuniu especialistas sobre o tema, nesta terça-feira (31).

“Esses números nos mostram como essa barbaridade está presente em nosso cotidiano. Houve melhoras, mas não é possível comemorar enquanto houver alguma mulher sendo agredida, violentada e, pior, sendo assassinada. Nossa missão é dar voz e ser instrumento para que haja conscientização”, afirmou o presidente do colegiado, deputado Delegado Danilo Bahiense (PL).

Padrão comportamental

Dados referentes a este ano foram apresentados durante reunião da Comissão de Segurança que discutiu o problema da violência contra mulher

Para a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Espírito Santo (Sindelpo), Ana Cecília Mangaravite, é preciso lutar por uma quebra no padrão comportamental dos homens. “Porque é o padrão comportamental que torna a sociedade tão violenta em relação à mulher”, avaliou.

“Esse trabalho preventivo, de orientação das novas gerações que é realizado nas escolas, isso é fundamental. Porque quando a gente lida com o tema, quando a gente lida no enfrentamento à violência doméstica e familiar, a gente percebe que os agressores apenas reproduzem padrões de comportamento que aprendem em suas casas”, complementou.

A delegada lamentou que, na maioria das vezes, o homem ainda não se enxerga como agressor; mesmo que ele concorde, na teoria, com as leis que protegem as mulheres, ele ainda não consegue identificar como agressivo o seu comportamento. “Porque entendem que a sua conduta é legítima, com base naquilo que tantas vezes eles presenciaram e aprenderam em casa”, disse Ana Mangaravite.

A titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), Cláudia Dematté de Freitas Coutinho, concorda com a colega. “Nós temos que ressaltar que, infelizmente, essa violência sempre existiu na nossa sociedade. Não é só no Brasil, não é só no estado do Espírito Santo, é em âmbito mundial”, comentou.

“Fruto de uma cultura patriarcal, fruto de um machismo estruturado e estruturante, onde homens, por vezes, até hoje acham que a mulher é posse, é propriedade. E cometem diariamente esses crimes absurdos e estarrecedores, resultantes dessa violência doméstica e familiar contra a mulher”, concluiu a delegada.

Lei Maria da Penha

Segundo Cláudia Dematté, a Lei Maria da Penha é um divisor de águas nesse enfrentamento. “Nós sabemos que a Lei Maria da Penha foi um marco extremamente importante nesse enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. Antes dessa lei nós tínhamos essa violência existente na sociedade, mas infelizmente sem um instrumento legal que efetivamente viesse a criar mecanismos de proteção e repressão a esse tipo de violência”, apontou.

“Tínhamos uma banalização muito grande desses crimes, pois eles ocorriam, mas eram extremamente subnotificados. Então, desde a criação da lei, que é fruto de uma luta árdua do movimento das mulheres em todo o Brasil, essa lei veio reforçar e jogar luz a uma problemática já existente na sociedade”, analisou.

No ES foram quase 9 mil até o momento, com o intuito de proteger vítimas de violência doméstica.

Cláudia Dematté afirmou que as delegacias especializadas do Espírito Santo registram em média de 17 a 18 mil boletins de ocorrência de violência contra as mulheres por ano. “É um número que assusta, mas nós que trabalhamos nesse enfrentamento sabemos que esse número poderia ser ainda maior. Sabemos que, com a Lei Maria da Penha, cada vez mais as mulheres vêm se sentindo encorajadas a denunciar esse tipo de violência”, afirmou.

Formas de violência

Representando o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher do Estado do Espírito Santo (Cedimes), a conselheira Edna Calabrez Martins pontuou diferentes formas de violência contra a mulher. “Para nós hoje, a violência tem uma perspectiva de plural, ou seja, são violências. A que tem mais visibilidade na nossa sociedade é a violência doméstica e familiar, mas existem muitas outras”, alertou.

“Assédio; violência e exploração sexual; estupro; tortura; violência psicológica; violência patrimonial; violência emocional; agressões por parceiros e familiares; perseguição; violência obstétrica; violência política; violência institucional ou violência do Estado; violência contra as mulheres nos contextos urbano e rural; racismo estrutural; racismo ambiental; feminicídio e femicídio”, enumerou a convidada.

“São formas e tipos de violência que permeiam a vida de toda mulher. Essas violências são recorrentes e presentes em muitos países, inclusive no Brasil e em nosso estado. Elas são motivadas por graves violações de direitos humanos e também incidem em nossas vidas por meio de crimes hediondos”, contextualizou Edna Martins.

Campanha internacional

Atual procuradora especial da mulher na Ales, a deputada Iriny Lopes (PT) falou sobre a adesão ao movimento liderado pela Organização das Nações Unidas (Onu) pelo fim da violência contra a mulher. “Agora em 2023 nós fizemos um trabalho para que a Casa, através da Procuradoria, aderisse à campanha internacional produzida pela ONU ‘21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher’. Isso é extremamente simbólico”, destacou a petista.

“Essa campanha é uma conquista das mulheres. Foi muito emocionante ver na última semana na Islândia, as ruas tomadas pelas mulheres buscando equidade de gênero. Ou seja, tratamento igual em todos os sentidos: econômico, social, político e em todos os seus direitos. Isso tudo é fruto de mobilizações, de participação, de conquistas de políticas públicas”, completou a parlamentar.

Iriny destacou o ativismo feminino e disse que o momento é de transformação da sociedade. “Nós mulheres temos trabalhado nas nossas organizações, entidades, instituições na formulação e apresentação de projetos e programas que possam superar esse estado que não é natural de diferenciação de tratamento e de violação de direitos”, finalizou.