O “papo sociológico” traz, desta vez, um texto do cientista social, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará, que tem por objetivo problematizar a concepção de “bom senso”. Segue o texto:
Seja nas pequenas cidades ou nas grandes metrópoles, os problemas urbanos são motivos de dor e adoecimento da população. Desde a necessidade de saneamento básico até o bom senso de não parar seu carro atrapalhando o fluxo do trânsito. Todas essas chamadas medidas de bom senso podem melhorar em muito a vida de todos. Porém, existe um tipo de “bom senso” perigoso e cruel, que mata mais que fuzil nas mãos de uma criança. Esse bom senso, a teoria sociológica chama de senso comum. Tomamos como parâmetro de nossas ações valores que não são pensados ou questionados em nosso cotidiano. Dificilmente ouviremos alguém dizendo o cumprimento habitual do “bom dia” sem que o outro não responda da mesma forma, mesmo que este dia não esteja tão bom.
Em grandes cidades, onde os índices de violência ultrapassam a média nacional, eu já vi autoridades policiais pedindo para que a população e os turistas não andassem com objetos de valor expostos, relógios, celulares, joias… Esconder os bens valiosos seria uma atitude de bom senso? Talvez, mas nem de longe é uma resposta ao problema da violência urbana. Colocar policiamento em áreas de risco pode ser uma política pública bem intencionada, e uma atitude de “bom senso” (do tipo perigoso à longo prazo), mas isso também está longe de solucionar o X da questão.
Acreditar no “bom senso” de que o policiamento ostensivo, sigiloso, intensivo ou extensivo irá sanar a criminalidade é o mesmo que varrer a poeira para baixo do tapete na frente das visitas. A marginalidade tem uma lógica, os “monstros” construídos pela sociedade têm motivos de serem assim. Tais razões não justificam seus erros, mas explicam bem o que ocorreu e o que pode acontecer. Quando um jovem de classe menos favorecida busca emprego e não consegue uma vaga, seja por não ser qualificado, ou por uma crise financeira na economia local, isso o empurra um pouco mais para a margem da sociedade. Pedir a redução da maior idade penal pensando que isso irá sanar a violência é um engano do “bom senso” das pessoas.
Outro dia vi um exemplo desse senso comum que se faz de “bom senso”, quando meu vizinho reclamava da sujeira da nossa rua e eu me lembrei de que no dia anterior ele mesmo, com ar de descuido, deixava cair um papel amassado na calçada. A senhora educada, gentil e cristã que ora fervorosamente para paz no mundo e a cura do câncer é a mesma que faz questão de parar seu carro no meio da avenida principal no horário de pico, pelo simples motivo que não havia vagas para estacionar e ela precisava parar e pagar as contas na lotérica.
O senso comum que popularmente chamamos de bom senso, que pede soluções imediatas, respostas simples e políticas públicas que até uma criança de 7 anos consegue criar, não ajuda ninguém a nada. Desculpem, ele ajuda sim… Ajuda a manter políticos incompetentes em empregos públicos, gestores incapazes com seus salários bem cotados e uma população cada vez mais doente e insatisfeita. Esse bom senso de bom não tem nada, e no final das contas, o bom senso acaba virando a desculpa de muitos para os erros de todos.
Pedro Mourão é professor e pesquisador. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará