Nem precisei falar muito para você associar LAMA com a Mineradora Samarco, certo? Neste momento (13/11/15) o Google acusa 500.000 resultados para “lama + samarco”. Talvez você também não se surpreenda ao saber que todo os 50 milhões de m³ de rejeitos de mineração lançados como um câncer a curto, médio e longo prazo no meio ambiente, economia e no cotidiano de milhares de inocentes vidas – o equivalente a 20.000 piscinas olímpicas, SÃO NOSSOS.

Foto Ilustrativa: Marcelo Moryan
Foto Ilustrativa: Marcelo Moryan

Antes de atirar a primeira pedra dê-me 10 minutos do seu tempo nos parágrafos seguintes… se ao final meus argumentos também forem LAMA, então, você poderá usar o PREGO para me crucificar. Combinado?

UMA HISTÓRIA QUASE BOBA… MAS NEM TANTO!

Você já conhece esta longa história “Meu Reino por um Cavalo” contada por James Baldwin, mas vamos ao resumo:

O Rei Ricardo III, conduzia seu exército para uma batalha contra Henrique, Conde de Richmond, na disputa pela coroa da Inglaterra. No ímpeto da batalha ao disparar, seu cavalo perdeu uma ferradura e o monarca estatelou-se ao chão. O cavalo fugiu deixando Ricardo a pé e gritando: “Um cavalo, meu reino por um cavalo”. Consta que por impaciência do cavalariço, o ferreiro deixou de colocar um prego na ferradura e desde então o povo passou a cantarolar:

“Por falta de um prego, perdeu-se uma ferradura; por falta de uma ferradura, perdeu-se um cavalo; por falta de um cavalo, perdeu-se uma batalha; por falta de uma batalha, perdeu-se um reino. E TUDO ISSO POR FALTA DE UM PREGO NA FERRADURA”.

Como a tragédia de Mariana é ANUNCIADA, vamos reler esta história de trás para frente? Obrigado, vamos lá….

Porto da Samarco - Ubr - Anchieta - ES. Foto: Marcelo Moryan
Porto da Samarco – Ubr – Anchieta – ES. Foto: Marcelo Moryan

O REINO

Era uma vez… uma empresa eleita a Melhor Mineradora do Brasil, cujo slogan favorito era “DESENVOLVIMENTO COM ENVOLVIMENTO”. Eu digo “ERA” porque o seu futuro é tão incerto quanto a sobrevivência da fauna e flora dos rios Gualaxo do Norte e Doce que praticamente tiveram seu bioma cimentado pela enxurrada de lama, provocada pelo rompimento das barragens de rejeitos em Mariana (MG).

O Reino Premiado da Samarco dormiu em berço esplêndido na quarta (04/11) para acordar às 15h30m de uma quinta-feira negra completamente NU, soterrado e soterrando vários sonhos – uma tragédia, que na minha visão ainda está longe do seu ápice.

Esperem para ver a revolta e a sobrevivência econômica dos seus vassalos. O Prefeito de Baixo Guandu já foi o primeiro a disparar seu canhão e bloqueou, em protesto, com tratores a ferrovia Vitória a Minas para que o presidente da Vale, uma das controladoras do Reino Samarco, parasse de brincar de esconde-esconde e sentasse com ele para anunciar qual seria o plano “RODO SALVADOR”, a limpar toda aquela sujeira.

Foto Ilustrativa: Marcelo Moryan
Foto Ilustrativa: Marcelo Moryan

A BATALHA

O campo de batalha da Samarco em Mariana é mais complexo que andar em campo minado com os olhos fechados e ainda assim sequer tinha uma pobre SIRENE para avisar aos moradores de Bento Rodrigues, distrito de Mariana, MG, os primeiros a engolirem a lama. E pasmem, foram avisados por telefone (não é piada… é sério… T-E-L-E-F-O-N-E). O reino Samarco, com lucro líquido de 7,5 bilhões em 2014 não tinha dinheiro para um Plano de Contingência sério capaz de salvar os seus vassalos, quiçá para comprar sirenes (Agora… é piada, mas ainda assim uma verdade).

Nos primeiros dias após a tragédia, a música preferida do Reino “DESENVOLVIMENTO COM ENVOLVIMENTO” virou “O SAMBA DO CRIOULO DOIDO” melhor definida nas palavras de um Vassalo e prefeito de Baixo Guandu (ES), Neto Barros: “Está havendo um jogo de empurra, muita gente querendo passar pelo crime “dando de ombros” e nós não vamos nos calar”.

O que mais me impressionou na batalha foi a entrevista coletiva do Rei Ricardo (III) Vescovi, que desconhecia absolutamente seu reino e segundo o site www.valor.com.br disse: “Essa é a pior crise da nossa história” (choveu no molhado). Também informava naquele instante que a empresa já estava em contato com clientes que estariam demonstrando “solidariedade” em relação à tragédia. Ai, ai, ai, CLIENTES, CLIENTES e CLIENTES. O Rei, mesmo na lama, ainda conseguia lembrar dos clientes, mas não tinha ideia alguma de planos naquele momento, mesmo que simples, que pudessem salvar seus vassalos.

Mariana - MG - Foto: Marcelo Moryan
Mariana – MG – Foto: Marcelo Moryan

O CAVALO

O impacto desta tragédia na economia é ainda mais gritante. Só para se ter uma ideia, Duarte Junior, Prefeito de Mariana declarou: “Se fechar a mineração, fecha o município de Mariana”. Anchieta, aqui no Espírito Santo tem 80% da sua arrecadação advinda da força da SAMARCO. Isso sem contar toda uma cadeia econômica que se estende por uma área maior que muitos países.

Agora com o cavalo no chão, somando-se a isso a Crise Brasil, mais a desvalorização internacional do preço do minério em 50% – Pronto, está formado o CAOS… ou melhor, UMA CRISE DENTRO DA CRISE. Segundo especialistas do assunto para deixar de novo o cavalo em pé, pronto para galopar, com a construção de novas barragens… no mínimo será preciso esperar um ano. E até lá o que será daqueles que semearam seus pastos contando com a demanda do quadrúpede? Só a fé e a paciência são consolos nesse momento a tentarem explicar o inexplicável.

Foto Ilustrativa: Marcelo Moryan
Foto Ilustrativa: Marcelo Moryan

A FERRADURA

É impossível armar um circo em qualquer lugar sem que haja o cumprimento de alguns condicionantes de órgãos públicos responsáveis pela segurança do palhaço. Quando o circo abre suas cortinas é porque já foi vistoriado de todas as formas… ou pelo menos DEVERIA, certo? ERRADO! Basta um rápido passeio pela internet para ler e reler acusações e fogo amigo de diversos setores que deveriam FISCALIZAR o REINO SAMARCO e não o fizeram.

O Ministério Público de Minas Gerais exibe farta documentação e na voz do Promotor de Justiça do meio Ambiente, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, conclui: “NÃO FOI ACIDENTE. NÃO FOI FATALIDADE. O QUE HOUVE FOI UM ERRO NA OPERAÇÃO E NEGLIGÊNCIA NO MONITORAMENTO”.

O triste mesmo é saber que neste momento outras tragédias estão a caminho em diversos setores por pura falta de fiscalização – fiscalização com “F” MAIÚSCULO do tipo: “Escreveu não leu, o pau comeu”.

Pode se ter alguma esperança quando se tem uma bam-bam-bam monarca em nosso reino maior Brasil, que visita o local da tragédia uma semana depois? Só para efeito de comparação enquanto escrevo este artigo a tragédia provocada pelo EI (Estado Islâmico) na França teve a presença imediata do Presidente François Hollande no Bataclan, casa de Shows e palco do maior número de mortos… vai entender nossa Monarca Dilma…

Há muitos Lugarejos e Cidades no Rastro da Tragédia - Colatina (ES) é uma delas
Há muitos Lugarejos e Cidades no Rastro da Tragédia – Colatina (ES) é uma delas – Foto: Marcelo Moryan

O PREGO… UFA!!!

Quando disse que a LAMA ERA NOSSA, de fato é. Senão vejamos:

Vivemos numa Democracia cujos pilares principais são geridos por escolhas a nós confiadas através do voto. Somos o PREGO e raramente não deixamos todo o reino se perder por nossas escolhas egoístas – e também por não exercer a nossa cidadania plena.

Sabe aquele favorzinho que você recebeu para deixar seguir aquele processo sem maiores problemas? Sabe aquela fila que você furou por impaciência? Sabe aquela reunião do bairro que ia discutir sobre a rede de esgoto e você não foi? Sabe aquela sua opinião que defende um político corrupto só porque você acha que ele paga bem? Sabe…sabe…sabe… SÃO OS PREGOS QUE TIRAMOS DA FERRADURA e o cavalo segue pisando em ovos para a batalha.

Sejam quais ERROS que ainda venham apurar no futuro sobre a tragédia do Reino Samarco ou qualquer outra, todos nós somos coparticipantes. Se o circo estava com a cortina aberta foi você a escolher com o seu VOTOquem escolheu… que escolheu quem escolheu” e assim por diante o “CARA” que assinou os alvarás, licenças ambientais e outros blá-blá-blás.

TEM SOLUÇÃO PARA VARRER A LAMA?

Esta que saiu das barragens siamesas de Santarém e Fundão, infelizmente só resta a MITIGAÇÃO, mas há outras silenciosamente a caminho que se rebelam através da Corrupção e Inépcia que poderemos deter com as reflexões que pautam nossas tragédias diárias – a do Reino Samarco daqui uns dias será só mais uma entre tantas.

Cidade de Mariana (MG) vista a partir da Torre da Igreja de São Pedro dos Clérigos. Foto: Marcelo Moryan
Cidade de Mariana (MG) vista a partir da Torre da Igreja de São Pedro dos Clérigos. Foto: Marcelo Moryan

O REINO ESTÁ DE FATO PERDIDO?

Não creio. Sou partidário de que a dor dos familiares daqueles que perderam suas vidas, bem como todos os que estão sofrendo o reflexo desta tragédia, não será esquecida, talvez nem superada. Porém, podemos tentar ver nestas feridas abertas e nas cicatrizes que ficarão, uma DOR TRANSFORMADA EM APRENDIZADO.

Só depende que façamos valer este slogan em nossas vidas: “DESENVOLVIMENTO COM ENVOLVIMENTO”. Um grande exemplo desta cidadania plena é o fotógrafo Sebastião Salgado, que através do Instituto Terra, já propôs um Projeto de Recuperação do Rio Doce que pela sua magnitude, segundo ele, pode se tornar um piloto a transformar “um desastre terrível em um vale que, a médio e longo prazo, seja um modelo para o Brasil”.

SÓ EXISTE DEMOCRACIA SE EXERCERMOS NOSSA CIDADANIA COM RESPONSABILIDADE. Estou certo de que se nos envolvermos com ética e amor em tudo aquilo que temos responsabilidades, podemos fazer renascer, no dia a dia, ainda MAIORES, todos os REINOS que desabaram.

#SOMOSTODOSUM!