Reportagem do jornal Estado de São Paulo mostra que os diretores e o presidente da Samarco foram informados dos riscos de rompimento da barragem de fundão.  Transcrições de conversas pelo sistema interno de comunicação da Samarco, do presidente Ricardo Vescovi com outros diretores foram reveladas com autorização judicial.

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Nas conversas, Vescovi força a produção de informações para esconder problemas com Fundão.

O jornal Estado de São Paulo teve acesso à transcrição, feita com autorização judicial e presente no relatório final da Polícia Federal sobre a tragédia de 5 de novembro, que deixou 18 mortos e 1 desaparecido.

Nas conversas, Vescovi força a produção de informações para esconder problemas com Fundão. Ao saber de trincas na estrutura, em agosto de 2014 – mais de um ano antes do desastre -, o presidente diz: “O quê? Ai, ai, ai”. As conversas foram obtidas pelos delegados em busca e apreensão nas plantas da Samarco nas cidades de Mariana (MG) e Anchieta (ES).

Negou. Em depoimento à PF, indagado se durante sua gestão teria chegado ao seu conhecimento algum relato de problema na barragem, Vescovi respondeu que “não”. “Estas questões técnicas eram tratadas na área técnica, dentro da diretoria de operações e nas gerências dessas diretorias”, disse. “Nunca chegou ao conhecimento do declarante qualquer notícia sobre problemas na estabilidade”, diz o documento da Polícia Federal.

Ricardo Vescovi poderia ser preso se empresa não cumprisse medidas. Samarco diz que decisão pelo pedido é 'critério do jurídico da empresa'. Foto: Vinícius Rangel
Transcrições de conversas pelo sistema interno de comunicação da Samarco, do presidente Ricardo Vescovi com outros diretores foram reveladas com autorização judicial.Foto: Vinícius Rangel

As mensagens incluem vários anos de atividades da Samarco – a barragem é de 2008. Uma conversa de 2011 já trata da confiabilidade de Fundão. Em mensagem enviada pelo presidente da Samarco à diretora de Geotecnia da mineradora, Daviely Rodrigues Silva, em conversa sobre o FMEA (sigla em inglês para Failure Mode and Effect Analysis, a análise da confiabilidade de uma estrutura, no caso Fundão), Vescovi indaga se “mudou a probabilidade (de acontecer algum problema) ou apenas a severidade (a rigidez a estrutura)?”. “Acho esse ponto o mais relevante de todos, pois é o meio de mostrarmos que as coisas não pioraram, apenas estamos sendo mais críticos na avaliação de severidade.” A mensagem é de 27 de julho de 2011, às 23h58, e é uma resposta a um posicionamento técnico sobre Fundão enviado por Daviely. O FMEA é feito periodicamente como forma de acompanhar condições físicas de barragens.

Trincas. Vescovi foi informado ainda sobre trincas na barragem, durante troca de mensagens com o então diretor de Operações da Samarco, Kleber Terra. Em conversa capturada pela PF, datada de 29 de agosto de 2014, iniciada às 15h56, Terra diz: “Em Fundão apareceram umas trincas no maciço onde desviamos o eixo”. Vescovi responde: “O quê??? Ai, ai, ai… Fica esperto”.

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Tragédia de 5 de novembro, que deixou 18 mortos e 1 desaparecido.

Terra afirma que tudo está “controlado”. Vescovi pergunta sobre as características do problema. “Que tipo de trinca? Só no maciço, ou conecta com o interior da barragem?”

“Só no maciço. O ITRB na última reunião já havia falado que teremos de fazer uma drenagem intermediária no maciço. Com o alargamento da boca do vale, o tapete drenante anterior não pega todo o maciço no topo”, respondeu Terra. O maciço é a parte da frente da represa, a face. O tapete drenante fica embaixo de represas.

Documento provisório. O jornal Estado de São Paulo procurou Vescovi. Em e-mail enviado pela Samarco à reportagem, o advogado dele, Paulo Freitas Ribeiro, afirmou por nota que “o relatório de investigação da Polícia Federal constitui documento provisório, emitido a partir de entendimento unilateral”. “Ricardo Vescovi jamais recebeu qualquer aviso ou alerta sobre eventual comprometimento da segurança da Barragem do Fundão, e tampouco tentou esconder informações de qualquer sorte. Pelo contrário, as informações que recebeu sobre incidentes, naturais da operação, indicavam que a barragem se encontrava rigorosamente dentro dos padrões de segurança, conclusão alçada por diversos especialistas.”