Por Roberta Bourguignon e Clóvis Rangel | No ponto final do bairro Jabaraí, na cidade das praias, Guarapari, grande parte dos clientes de uma padaria e mercearia resistem ao tempo, e pedem para ‘pendurar a conta’ – o famoso fiado. A expressão parece antiga, que só os mais velhos conhecem, mas segue mais viva do que nunca.

O gestor e padeiro Eliel Ramos Brandão, de 45 anos, mais conhecido por Léo, mostra o caderno de quem acerta depois. E não são poucos clientes não. Atualmente, 150 ainda pedem para pendurar na conta.

“Temos 30 anos de comércio. Já tentamos parar com as anotações, e não vender mais fiado. Mas não deu certo até hoje. Alguns clientes dão trabalho para pagar, temos muitos casos de clientes que somem, só para não pagar, mas os clientes bons ainda são a maioria, e por isso continuamos”, conta o gestor.

O gestor e padeiro Eliel Ramos Brandão, de 45 anos, mais conhecido por Léo, mostra o caderno de quem acerta depois.

O local vende entre 1.700 e 2 mil pães diariamente, de 5h30 da manhã às 20h, e tem movimento o tempo inteiro. Os clientes sabem exatamente os horários em que os pães saem quentinho, e é quando tem mais anotação.

“Os clientes são nossos conhecidos, e a maioria é do entorno do comércio. Eles anotam para pagar mensal. Aliás, era para ser mensal, mas alguns vão enrolando e paga aos poucos. É raro alguém não conhecer a padaria e mercearia do Puri. Puri era o nome do meu patrão que faleceu, mas o local segue com o nome dele”, completa ele.

Esse foi o único emprego de Léo. Começou no local como atendente, aos 14 anos, virou padeiro, e depois que o proprietário faleceu, passou a ser o gestor também.

A empresa emprega 7 pessoas, e entra na lista de pequenos negócios que transformam realidades locais. E os pequenos negócios correspondem a 95% dos empreendimentos formais no país, representando 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e impactam diretamente ou indiretamente 47% da população brasileiro.

E a venda para quem acerta depois virou um levantamento feito pela Web Automação, empresa de soluções de vendas e tecnologia para negócios, e identificou que mais de 400 estabelecimentos no Brasil fizeram fiado no ano passado, movimentando R$ 4,3 milhões, somente com essa forma de pagamento. “De fato é uma venda de relacionamento. Somente pessoas mais próximas acabam pendurando, e seguimos movimentando as vendas”, finaliza Léo.

Nem Pix, nem cartão

Nem débito, nem crédito, nem Pix. O fiado resiste em pequenos negócios, onde ainda se ‘pendura’ a conta. E em se tratando de fiado, o estabelecimento de Guarapari não é o único.

Levantamento feito pela Web Automação, empresa de soluções de vendas e tecnologia para negócios, identificou que mais de 400 locais no Brasil aceitaram o fiado como meio de pagamento em 2023, movimentando R$ 4,3 milhões.

Nem débito, nem crédito, nem Pix. O fiado resiste em pequenos negócios, onde ainda se ‘pendura’ a conta.

Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o Pix encerrou 2023 com 42 bilhões de transações. Cartão de crédito, débito, boleto e outros meios totalizaram, juntos, quase 39,4 bilhões de operações. Com tantas possibilidades, o contador, Rodrigo Benincá, explicou que o fiado geralmente é adotado por estabelecimentos menores.

“O fiado é uma venda de relacionamento. Somente pessoas muito próximas têm esse tipo de relação de compra e venda”, disse ele. E isso mostra a importância dos pequenos negócios para o desenvolvimento da economia local.

Dados do Sebrae mostram que pequenas empresas são formados pelas micro e pequenas empresas (MPEs) e pelos microempreendedores individuais. Pelos recordes sucessivos de novas formalizações, os pequenos negócios configuram um grande protagonismo em nossa economia, sendo o Brasil considerado o terceiro país com maior número de pequenos negócios em atividade.

O Brasil tem 6,4 milhões de estabelecimentos, dentre os quais 99% são micro e pequenas empresas. As MPEs respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado (16,1 milhões). Elas são classificadas de acordo com o número de empregados e com o faturamento bruto anual. Somente MEIs, até março de 2019, eram mais de oito milhões de microempreendedores individuais registrados no Brasil.

Uma pesquisa do Sebrae divulgada no Relatório Especial MEI 10 anos revela a importância da atividade dos microempreendedores no Brasil. Segundo o relatório, “a maioria dos microempreendedores individuais (76%) tem na sua atividade empreendedora a sua única fonte de renda. Isso significa que 4,6 milhões de pessoas dependem exclusivamente do seu trabalho como MEI para suprirem suas necessidades, se sustentarem, ou contribuírem com a renda das suas famílias. Se considerarmos todas as pessoas que são impactadas diretamente (cônjuges) e indiretamente (filhos e parentes), chegamos ao patamar de 14 milhões de pessoas impactadas economicamente pelo trabalho de uma pessoa que tem no MEI a sua única fonte de renda.”

O Brasil tem 6,4 milhões de estabelecimentos, dentre os quais 99% são micro e pequenas empresas.

Além disso, segundo o relatório, “a pesquisa aponta que em 2019 a renda familiar média do MEI é de R$ 4.400. Com base no tamanho médio da família do MEI (3,2 pessoas), é possível estimar a renda individual média do MEI (R$ 1.375). Valor esse que é muito próximo da renda média individual do brasileiro em 2018, segundo o IBGE. Se considerarmos a renda de todos os MEI em atividade, chegamos ao valor de 8 bilhões de reais gerados mensalmente pelo trabalho dos MEIs. Se considerarmos o período de um ano, chegamos ao valor de 100 bilhões de reais gerados pelo trabalho do MEI circulando na economia brasileira.”

Estabelecimento de alimentação entre os negócios mais abertos

Levantamentos do Sebrae mostram que abertura de novos microempreendedores individuais (MEI) ficou estável, caindo 0,9 % em comparação com 2022, o que é considerado uma acomodação sem relevância estatística. Foram 2.908.104 novos MEI em 2023, ante 2.933.809 em 2022. Somando os MEI às micro e pequenas empresas, o total de novos pequenos negócios abertos no Brasil chegou a 3,77 milhões no ano passado. Isso representa 96% do total de empresas, incluindo as de médio e grande porte, criadas no país em 2023.

Décio Lima destaca que os pequenos negócios têm sido fundamentais ao longo dos últimos anos para manter a economia brasileira em atividade. “As micro e pequenas empresas são as primeiras a reagir em momentos de crise. Graças principalmente a elas, o país consegue recuperar o nível de emprego e a geração de renda. Nossas pesquisas mostram que os pequenos negócios têm respondido por aproximadamente 7 em cada 10 empregos gerados”, avalia.

Em 2023, as atividades que registraram o maior volume de novos negócios estavam no setor de Serviços, englobando nove das dez classes com a maior abertura de empresas durante esse período.

Atividades mais procuradas pelas MPE em 2023

1º Atividades de atenção ambulatorial executadas por médicos e odontólogos (48.782)
2º Serviços combinados de escritório e apoio administrativo (38.619)
3º Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas (37.600)
4º Atividades de profissionais da área de saúde exceto médicos e odontólogos (36.540)
5º Comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios (22.852)
6º Atividades de publicidade não especificadas anteriormente (21.100)
7º Transporte rodoviário de carga (19.966)
8º Atividades de ensino não especificadas anteriormente (19.320)
9º Serviços de engenharia (16.445)
10º Atividades de consultoria em gestão empresarial (16.225)

Atividades mais procuradas pelos MEI em 2023

1ª Atividades de publicidade não especificadas anteriormente (181.698)
2º Cabeleireiros e outras atividades de tratamento de beleza (180.831)
3ª Atividades de ensino não especificadas anteriormente (142.740)
4ª Comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios (142.295)
5ª Transporte rodoviário de carga (140.745)
6ª Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas (137.910)
7ª Fotocópias preparação de documentos e outros serviços especializados de apoio administrativo (131.665)
8ª Atividades de malote e de entrega (108.760)
9ª Serviços especializados para construção não especificados anteriormente (107.547)
10ª Serviços de catering bufê e outros serviços de comida preparada (91.938).

Fonte: Sebrae