Letícia Andrade tem 20 anos e uma história de vida de luta. Diagnosticada com uma doença chamada “paralisia cerebral diplegia espástica”, ela se locomove em uma cadeira de rodas. A mãe da jovem, Deilza de Andrade da Silva, dona de casa, explica que a filha não consegue mexer as pernas.

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A estudante não consegue mexer as pernas e tem dificuldade para chegar até o Ifes.

A doença foi a sequela da demora no parto. “A gente morava na roça, a 10 km da cidade mais próxima, que é Água Doce do Norte, e não senti as dores do parto. Quando corri para o hospital para ter a Letícia, já tinha passado um pouco da hora de nascer. Ela teve falta de oxigenação no cérebro e comprometeu a coordenação motora”.

Por várias escolas que ela passou, desde a educação infantil até hoje, a dificuldade de acessibilidade foi grande. Quando Letícia era criança, a mãe chegou a ouvir de pedagogas e diretoras que era melhor a menina ficar em casa, pois era mais fácil, e que se já estava difícil arrumar emprego para elas, imagina para quem era cadeirante? “Passo mal só de lembrar, fico nervosa. Encontrei pessoas muito ruins, foi muito cruel, não gosto nem de lembrar!”, afirma bastante indignada Deilza.

Trajeto

Morando em Guarapari, no bairro Santa Mônica, há poucos meses, a família veio em busca de um futuro para a filha. Letícia passou no curso de Administração do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). As aulas começaram em fevereiro, mas, desde então, o acesso à instituição tem sido bem complicado.

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Letícia percorre um trajeto de 15 minutos da casa dela até a Rodovia do Sol para pegar o coletivo adaptado.

As linhas de ônibus municipais que passam pelo bairro não fazem o trajeto necessário até a instituição. “Os horários dos ônibus que passam no bairro não fazem o trajeto até o Ifes e o ônibus que passa no bairro não é adaptado. Tenho que ir para a pista da Rodovia do Sol, que fica a 15 minutos de casa, pegar o coletivo e descer no ponto do Extrabom. De lá faço todo o trajeto guiando a cadeira”, disse Letícia ao Portal 27.

Mesmo sendo uma cadeira motorizada, é um trajeto complicado e perigoso. “A noite já presenciei assaltos”, revelou Letícia. E quando chove, fica inviável, pois a cadeira é motorizada e não pode molhar.

A mãe a acompanha na ida e o pai vai de ônibus à noite para fazer companhia à filha no retorno para casa. Perguntada se o Ifes não teria um transporte que levasse os alunos do ponto de ônibus até a instituição, ela disse que sim, existe, porém o ônibus não é adaptado para cadeirantes. Segundo ela, o Ifes está ajudando bastante, o diretor está bem interessado em ajudar.

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A jovem ainda vai guiando a cadeira do ponto em que desce, no Extrabom, até o Ifes.

A jovem, depois de procurar a instituição, a Prefeitura de Guarapari e a empresa de ônibus, recorreu ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES). “Eles deram quatro opções de soluções: a criação de uma nova linha de ônibus municipal que saia do bairro e passe no Ifes; alterar a rota de uma linha de ônibus adaptado; o Ifes comprar um novo ônibus adaptado ou a Secretaria Municipal de Educação (Semed) fazer esse serviço”.

Letícia procurou o MPES no dia 21 de março e teria que aguardar por 10 dias úteis para ter uma resposta, senão voltaria lá. O prazo venceu ontem (05), mas o documento ainda seria analisado, se seria de competência do MPES, já que o Ifes é uma Instituição Federal. “Talvez ninguém tivesse ido antes de mim procurar esses direitos. Espero conseguir logo”, afirmou Letícia.

Respostas

O Portal 27 procurou o MPES, que respondeu em nota que recebeu a denúncia do caso e analisa os fatos.

Foto: ASCOM/Prefeitura de Guarapari.
O diretor do Ifes afirma que o campus de Guarapari é 100% acessível. Foto: ASCOM/Prefeitura de Guarapari.

O diretor do Ifes, Ronaldo Neves Cruz, afirmou que “O campus é 100% acessível, todos os ambientes têm as portas largas, existem elevadores, rampas, banheiro exclusivo para cadeirantes, ou seja, temos estrutura para receber estudantes deficientes, mas do portão para fora não consigo ter autonomia”.

O diretor ressaltou que tenta facilitar ainda o acesso para os estudantes. “Temos um ônibus do Ifes que transporta os alunos das 12 às 19 horas para eles não terem que passar esse trecho de ladeira de 400 metros, que utilizo a verba do Governo Federal, o que equivale a R$ 5.000,00 por mês, são gastos com combustível, manutenção do ônibus e a contratação do motorista. Essa verba eu poderia usar em outras coisas na infraestrutura, pois essa é uma obrigação do município”.

Ele continua: “Eu já tentei resolver o problema. Já fiz reunião com a prefeitura, com os proprietários dos ônibus para fornecer esse transporte e ninguém resolve essa questão. Temos 1.160 alunos, fora os quase 150 servidores. Ainda tem os períodos de matrículas, inscrições, que isso movimenta muito mais. Não tem como ter o argumento de que não é viável esse trajeto. Desde 2011 luto por esse transporte e não consigo”.

A PMG disse que são infundadas as alegações da segunda colocada na licitação, a TI Mobi
A Prefeitura de Guarapari disse que uma reunião será agendada junto ao Ministério Público.

A assessoria de comunicação da prefeitura disse que “Por decisão judicial tanto o Município quanto as empresas que operam o serviço de transporte coletivo não podem criar novas linhas, aumentar ou excluir frotas já existentes. Para objetivar uma solução, o IFES deverá comunicar oficialmente ao Município os horários necessários. Assim, será realizado agendamento de reunião junto ao Ministério Público, onde será explanada a situação além de abertura de petição para autorização do atendimento da comunidade, em decorrência desse e outros fatos levantados”.

Enquanto isso, Letícia mantém o trajeto complicado. “Eu acho que sou a primeira estudante cadeirante do Ifes de Guarapari e por isso tem sido bem difícil. Estou sendo muito bem recebida lá, mas o acesso realmente está complicado”.