Sobre a presença da “polícia” – ou seja lá o que for – lá na Praia do Morro em Guarapari, isso é muito bom e tem o seu lugar, já que a Praia do Morro é uma das praias mais frequentadas pelos turistas.
No entanto, o problema real é que a imprensa televisiva e escrita, sobretudo, só mostram Guarapari a partir dos pontos turísticos, ignorando que Guarapari não é só isso. Nesses ultimos dias, percorre-se os quatro cantos de “Guaraparis” e não se vê um policial sequer; e nem mesmo ouve-se falar de nenhum deles noutro lugar.
Muito menos fazendo rondas nos bairros periféricos. Mas se você for até a Praia do Morro, eles estarão lá. E é a partir de imagens como essas que o Estado e o Brasil vão sendo “comunicados” que a cidade balneária mais famosa e badalada do Espírito Santo está protegida. Porém, isso não é verdade, pois Guarapari não é só a praia do morro.
Os que se voltam para a vida privada menosprezando completamente a vida pública, jamais podem ignorar como a grande mídia mistifica a realidade e pode manipular a opinião social. Embora ela possua o poder de ditar a pauta da conversa, nós, como sociedade organizada e politizada, temos a força de não aceitar, sem antes ofertar uma crítica à razão, àquilo que está veiculado.
Os grandes meios de comunicação, sem exceção, têm, naturalmente, suas preferências – partidárias, eleitorais, ideológicas e, sobretudo, pecuniárias. Nas democracias venais contemporâneas o dinheiro deslavadamente gera poder e que o poder desavergonhadamente gera dinheiro. A mídia, na medida em que filtra e manipula conteúdos, apresenta-se como uma das pontes privilegiadas de ligação dessa política institucionalmente podre.
O sociólogo Noam Chomsky, professor emérito do Massachusetts Institute of Technology (em Boston) e tido pelo New York Times como “o maior intelectual vivo”, catalogou as dez técnicas de mistificação e manipulação promovidas pela grande mídia. Trata-se de um decálogo extremamente útil, especialmente para aqueles que bravamente desafiam a inexpugnável ignorância diária. Vejamos:
1. A estratégia da distração.
É fundamental, para o grande lobby dos poderes, manter a atenção do público concentrada em temas de pouca relevância (programas banais de TV, por exemplo), fazendo com que o cidadão comum se interesse apenas por fatos insignificantes. A exagerada concentração em fatos da crônica policial, dramatizada e manipulada, faz parte desse jogo.
2. Princípio do “problema-solução do problema”.
A partir de dados incompletos, incorretos ou manipulados, inventa-se um grande problema para causar certa reação no público, com o propósito de que seja este o mandante – ou solicitante – das medidas que se quer adotar (é preciso dar voz ao povo). Um exemplo: deixa-se a população totalmente ansiosa com a notícia da existência de uma epidemia mortal (febre aviária, por exemplo), criando um injustificado alarmismo com o objetivo de vender remédios que de outra forma seriam inutilizados.
3. A estratégia da gradualidade.
Para fazer o povo aceitar uma medida inaceitável, basta aplicá-la e noticiá-la gradualmente, a conta-gotas, por anos – ou meses, ou dias – seguidos. É dessa maneira que se introduzem novas e duras condições socioeconômicas, em prejuízo da população. Tudo é feito e contado gradualmente, porque muitas mudanças juntas podem provocar uma revolução.
4. A estratégia do diferimento (adiamento).
Um outro modo de fazer aceitar uma decisão impopular consiste em apresentá-la como “dolorosa e necessária”, alcançando-se momentaneamente sua aceitação, para uma aplicação futura (“piano piano si va lontano”, o equivale mais ou menos ao nosso “devagar se vai ao longe”).
5. Comunicar-se com o público como se falasse a uma criança.
Quanto mais se pretende enganar o público, mais se tende a usar um tom infantil. Diversos programas ou conteúdos possuem essa conotação infantilizada. Por quê? Se nos comunicarmos com as pessoas como se elas tivessem 11 anos de idade, elas tendem a responder provavelmente sem nenhum senso crítico, como se tivessem mesmo 11 anos de idade (as crianças não conseguem fazer juízos abstratos).
6. Explorar a emotividade muito mais que estimular a reflexão.
A emoção, com efeito, coloca de escanteio a parte racional do indivíduo, tornando-o facilmente influenciável, sugestionável. Essa é a grande técnica empregada pelo populismo demagogo punitivo.
7. Manter o público na ignorância e na mediocridade.
Poucos conhecem, ainda que superficialmente, os resultados já validados das ciências (criminais, médicas, tecnológicas etc.). A manipulação fica facilitada quando o povo é mantido na ignorância; isso significa dizer não à escola de qualidade para todos.
8. Impor modelos de comportamento.
Controlar indivíduos enquadrados e medíocres é muito mais fácil que gerir indivíduos pensantes. Os modelos impostos pela publicidade são funcionais para esse projeto.
9. A autoculpabilização.
Todo discurso (midiática e religiosamente) é feito para fazer o indivíduo acreditar que ele mesmo é a única causa do seu próprio insucesso e da própria desgraça. Que o problema é individual e não tem nada a ver com o social. Dessa forma, ao contrário de se suscitar uma rebelião contra o sistema socioeconômico que marginaliza a maioria, o indivíduo se subestima, se desvaloriza, se torna depressivo e até se autoflagela (assim é a vida no “vale das lágrimas”).
A culpa pelo desemprego, pelo não encontro de novo emprego, pelo baixo salário (neoescravizador), pelas condições deploráveis de trabalho, pelo insucesso escolar, pela precarização das relações trabalhistas, pela diminuição do salário-desemprego, pela redução das aposentadorias, pela mediocridade cultural, pela ausência de competitividade no mercado etc. é dele, exclusivamente dele, não do sistema.
10. Os meios de comunicação sabem mais de você que você mesmo.
Eles conhecem nossas preferências, fazem sondagens e pesquisas, diagramam nossas inclinações políticas e ideológicas e, mais que isso, sabem como ninguém explorar nossas emoções (sobretudo as mais primitivas). Não se estimula quase nunca a reflexão. O sistema manipula e exerce um grande poder sobre o público, muito maior que aquele que o cidadão exerce sobre ele mesmo.
Recentemente, ouvimos alguém falar na TV aberta que uma determinada Rede de TV nacional recebe rios de dinheiro do governo para cantar a pedra no jogo social da política estadual local, a fim de que a sociedade seja guiada (entenda aqui “hipnotizada”) quanto ao que deseja que acredite.
Não acredite em tudo o que você vê e ouve na mídia. Peneire suas informações, pois, informação não é formação. A praia do morro pode até estar com uma aparente segurança, mas o comércio local e bem como os bairros periféricos de Guarapari, não gozam da presença nem de um recruta, das dezenas que se vê por lá.