Estamos para iniciar uma importante obra para o turismo e mobilidade urbana da Cidade-Saúde. Diferentemente das outras iniciativas da governança estadual, esta contou com um processo de licenciamento ambiental. As iniciativas anteriores desta esfera (revitalização da praia das castanheiras – Areia Preta e a implantação do calçadão e ciclovia entre praia do Riacho – Nova Guarapari) foram iniciadas sem seus respectivos processos de licenciamento, utilizando-se do mais puro estilo “João sem braço”. Nesta ocasião coube à Sociedade Civil Organizada cobrar do próprio Estado que submetesse suas intervenções aos mesmos trâmites exigidos à esfera privada, acarretando um inconveniente, mas necessário atraso de dois meses para a retomada das obras, então, com as devidas condicionantes ou medidas mitigatórias sacramentadas. Por isso acreditem, mesmo sem muita ordem houve algum progresso,  no entanto, não o progresso necessário.

O “Projeto de reurbanização da Orla do Canal de Guarapari” foi elaborado e deu início ao seu processo de licenciamento no ano de 2006, com base num Termo de Referência sugerido pelo IEMA, no qual direciona o empreendedor a elaborar um Relatório de Controle Ambiental1, não foi exigido um EIA/RIMA2 por tratar-se de obra de interesse público. Sobre este projeto, consultando o estudo da Trasmar Consultoria Limitada, hoje e ao parecer do IEMA pelos quais observamos um expressivo número de imprecisões  e inadequações à necessidade atual. Estes oito anos decorridos desde 2006 desatualizaram tanto a proposta, quanto a abordagem desta pelo seu processo de licenciamento ambiental. Expomos aqui aos seguintes tópicos:

A Declaração de Impacto Ambiental já partiu do pré-suposto errôneo de que a intervenção não trará impacto, sendo a área de intervenção inserida em grande parte na poligonal de uma UC e ocupa exatamente a foz do estuário no qual está a Unidade de Conservação de Desenvolvimento Sustentável de Concha D’Ostra cujo conselho, criado em 2010, não foi consultado.

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A referida foz está limitada aos 80 metros de abertura sob a ponte dos quais, o projeto propõe um redução por aterros não se sabendo de quanto exatamente, uma vez que as plantas apresentadas ao IEMA (que serviram à aprovação do projeto) não possuem detalhamento suficiente para sua mensuração. Todos estes aterros situar-se-ão na parte mais profunda, portanto mais navegável do canal, tornando mais arriscada à navegação e comum efeito dominó aumentando a possibilidade de derramamentos nocivos à biota marinha;

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Nas palavras do IEMA, a Modelagem Numérica Hidro-dinâmica, modelo responsável pela análise das correntes “foi concluso em relação a alterações “em decorrência da implantação da urbanização, contudo, reconhecem-se as limitações dos Estudos de Modelagem computacional hidro-dinâmica”. O que percebemos em nossa análise é que o estudo de correntes ateve-se à estabilidade do aterro e às áreas de intervenção, ignorando as variações de correntes resultantes no entorno e ao provável assoreamento da calha navegável, assoreamento este que é crescente em toda região e deverá agravar-se com os aterros;

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 O projeto ignora ao fenômeno do “refluxo”, quando o vento se opõe a correnteza em local estreito, o que entre a ponte e a capitania dos portos pode levantar ondas de até 80 cm. Justamente nestes pontos estão propostos piers transversais à correnteza, o que configura uma situação de improvável atracação.

Não foi estabelecida em projeto a função dos vastos espaços urbanos que serão criados exceto pelos estacionamentos, igualmente não há menção ao mobiliário urbano (bancos, pontos de ônibus, bancas de jornal, etc.) que serão utilizados;

Não foram estabelecidas normas para o direito de utilização dos novos piers. Uma vez que há previsão de atracação de barcas turísticas para viabilizar o desembarque de transatlânticos, não há descrição do local para onde serão relocados os atuais ocupantes;

O turismo de grandes navegações, feito preferencialmente por barcos a vela de mastros altos não foi contemplado pelo projeto e continuará desatendido e cerceado à ancoragem precária, entre a ponte e a capitania dos portos;

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O foco obrigatório para a aplicação deste recurso3 seria objetivando a geração de renda principalmente voltada à população local que sobrevive destas áreas de uma forma descentralizada e cooperativa. Contraditoriamente a única reunião aberta, contou com apenas com uma Associação dos Proprietários de Embarcações do Sul-ES, e ninguém que representasse a base desta pirâmide, os pescadores, apesar das cerca  de oito associações existentes em Guarapari. Tão pouco houve reuniões públicas em quantidade e quorum suficiente para a discussão dos interesses divergentes, dispensáveis pelo julgamento do licenciamento, mas jamais pela ótica da inclusão social suscitada à aplicação de um recurso público desta monta (R$ 35,19 milhões);

Até o derradeiro momento não foram apresentados os programas estruturais necessários, alguns já solicitados pela análise do IEMA*:

Programa de Educação Ambiental, Programa de Qualificação profissional*, Programa de Emergência Individual Simplificado*, Programa de Monitoramento Ambiental;

Não houve nenhuma menção à arborização e paisagismo das áreas resultantes, apesar de haverem árvores nas ilustrações divulgadas;

Não constava no projeto as soluções da CESAN relativas ao despejo de esgotos clandestinos ocorrentes ao longo da área de intervenção.

Concluímos que não faltaram anos para obtermos um projeto realista e à altura do recurso público disponibilizado, e apesar disto não o temos! Faltou essencialmente comprometimento político em se oferecer um trabalho bem feito. Todos os grandes projetos públicos que envolvem intervenções urbanas soam nos ouvidos dos nossos governadores, prefeitos, deputados e vereadores como “bônus de gestão” em detrimento dos necessários cuidados entre o tempo de sua proposição e de sua utilização, que por vezes ultrapassam o prazo de projetos partidários de gestão. São muitos para colherem aos méritos, mas poucos para honrá-los fiscalizando e primando por um produto final razoável.

Sem título-1

Nos grandes polos turísticos, onde a administração prima pela qualidade, projetos deste porte, são submetidos a concorrências específicas e só depois são levados à licitação executiva. Submeter um contrato desta monta a liberdade projetual de um empreiteiro é menosprezar a inteligência do contribuinte e utilizar-se covardemente de sua inocência para obter, sendo bem eufemista, uma “conveniência imoral”. Infelizmente este recurso é muito usado. Tivemos isto acontecendo na Praia do Morro, cujo projeto aprovado pelo IEMA em 2005 foi totalmente alterado após a licitação de sua execução em 2010, do qual se excluiu um skate parque, uma área para estruturas de apoio às competições de surf e áreas de atividade física. Esta forma do poder executivo trabalhar favorece ao contratado, desfavorece o contratante (Estado/contribuinte) e propicia a entrega de obras “magras” e “enxugadas”, quando não de pouca durabilidade, nada condizentes com o título de Cidade-Saúde.

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Concurso para seleção de projeto no estado do Ceará.

Diante do exposto nota-se a necessidade de elaboração de um projeto atualizado, em virtude da notável defasagem do mesmo. Desta forma a Sociedade Gaya Religare de Guarapari solicitou ao Ministério Público e ao IEMA, que este último  seja oficiado a realizar uma visita técnica no local  objeto do projeto, bem como que o responsável pelo empreendimento seja igualmente notificado a apresentar  uma Declaração de impacto ambiental ATUALIZADA.

1.Relatório de Controle Ambiental– Avaliação ambiental intermediária exigível com base em parecer técnico e/ou jurídico fundamentado, em todos os licenciamentos de empreendimentos ou atividades de qualquer porte e potencial poluidor e/ou degradador, para os quais não seja adequada a exigência de EIA/RIMA e nem suficiente à exigência de PCA

2. O EIA/RIMA: Siglas de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, são  ambos formatos de abordagem para avaliação dos impactos decorrentes de empreendimentos. Nos EIA e no RIMA os impactos são divididos em diretos e indiretos e são abordados de forma a avaliar separadamente aos meios físico, biótico e antrópico.

3. O empréstimo do BID apoiará o Desenvolvimento do Turismo Nacional (Prodetur Nacional) projetado para superar estes desafios e fazer os destinos turísticos brasileiros mais competitivos e reforçar as políticas nacionais para a área através de uma governança descentralizada e cooperativa.

Fonte: http://www.iadb.org/es/noticias/comunicados-de-prensa/2009-11-13/brasil-promovera-industria-turistica-con-apoyo-del-bid,5923.html